Rio Negro, nós cuidamos!

 

Encerramento e agradecimento

 

A campanha Rio Negro, nós cuidamos! lançada no dia 29 de abril de 2020 (três dias após os primeiros casos de Covid-19 confirmados no município de São Gabriel da Cachoeira), foi organizada e liderada pelo Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (DMIRN/FOIRN), com o apoio e parceria do Instituto Socioambiental (ISA).

O objetivo da campanha Rio Negro, nós cuidamos! era de arrecadar sabão, água sanitária, álcool gel, combustível, ferramentas de atividades agrícolas, kits de pesca, alimentos não perecíveis, como também de garantir serviços de comunicação e informação em parceria com a Rede de Comunicadores Indígenas do Rio Negro (Rede Wayuri). Esses serviços da comunicação consistiram na produção e impressão de materiais informativos, serviços de carro de som para zonas periurbanas e urbanas de São Gabriel da Cachoeira, compra de 5 aparelhos de radiofonia e produção de áudios informativos nas línguas indígenas.

Com apoio dos recursos arrecadados pela campanha desenvolvemos diversas ações que foram fundamentais para conter os impactos da pandemia para a população indígena do rio Negro. Nós, mulheres indígenas, por meio da campanha, mobilizamos uma rede ampla de conhecimentos, de saberes, de aliados.

Desse modo, conseguimos atuar em três linhas de ação: promoção de saúde, segurança alimentar e direito à informação.

Desde 2020, mais de 20 mil máscaras foram produzidas e distribuídas para os territórios indígenas, assim como para as equipes de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) e parentes na cidade de São Gabriel. Estas máscaras, em 2020, foram produzidas por mulheres de grupos étnicos diferentes que utilizaram máquinas de costura que foram adquiridas com o dinheiro da campanha e que circularam entre casas numa lógica de fortalecer a autonomia das mulheres rionegrinas enquanto se combatia a pandemia.

Em 2020 realizamos viagens que tiveram como objetivo a distribuição de cestas básicas e o melhor conhecimento das situações que estavam sendo vividas nas diversas calhas da região. Foram distribuídas aproximadamente 3.379 cestas básicas a mais de 2.500 famílias. Banners e álcool em gel também foram distribuídos entre os agentes comunitários de saúde nas comunidades e sítios do rio Negro. Como apoio logístico, nessas viagens também foram distribuídas a cartilha Coronavírus (Covid-19) – Tome cuidado, parente! relacionada aos cuidados com a pandemia de Covid-19 e a cartilha Violência doméstica e violência sexual em tempos de pandemia. Redes de apoio e denúncias: você não está sozinha! elaborada por nós, mulheres indígenas de São Gabriel da Cachoeira, em parceria com a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) e o ISA. Esse material aborda estratégias de cuidado e combate da violência contra mulheres e crianças durante o período de pandemia.

Com a distribuição dessas cartilhas buscamos garantir o direito à informação sobre as temáticas que mais preocupavam as coordenadoras do DMIRN: a pandemia que chegava em nosso território e o aumento dos casos de violências contra mulheres. Desse modo, um componente que resultou fundamental na campanha foi a dimensão da comunicação social.

Através da campanha, ajudamos na mobilização da radiofonia da região, e adquirimos financiamento para a implementação de um carro de som que alertou a população sobre a importância de ficarem em casa, utilizarem máscaras e lavarem as mãos.

O trabalho de levar informações através do carro de som exigiu um esforço de tradução dalinguagem mais técnica do campo biomédico, para as formas coloquiais gabrielenses e rionegrinas a fim de tornar a comunicação rápida e direta. Inclusive, fazíamos a tradução para algumas das línguas indígenas faladas na região.

Como efeito de todo esse trabalho, a Rede Wayuri, aliada fundamental do DMIRN na comunicação social, ganhou uma menção honrosa, título de heróis globais da informação junto com a correspondente do The New York Times em Beijing. Formada por 20 comunicadores indígenas, a Rede Wayuri foi eleita pela organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) por conta de seu trabalho confiável em relação às informações produzidas e divulgadas, especialmente durante os dois primeiros anos de pandemia.

O DMIRN assumiu um protagonismo por conta de termos conectado nossas redes, assumimos um papel de liderança regional. Além de termos mobilizado uma crescente rede de mulheres, incluindo atores institucionais e diversas mulheres não indígenas, essa rede também conectou e conecta afetos, conhecimentos e estratégias ancestrais da nossa cultura.

É por meio dessa rede que nós, mulheres indígenas de São Gabriel, participamos de projetos acadêmicos e escrevemos diversos textos sobre nossas experiências e reflexões acerca da chegada da pandemia em nosso território. São textos que dizem respeito a perdas de pessoas e conhecimentos, mas também de força, de luta e resistência, bem como sobre a dinâmica de vida de moradores da região (COSTA, 2021, a; b; c), de produção laboral de pessoas (ORJUELA, 2021) e remédios indígenas (FONTES, 2021) que foram publicados na Plataforma de Antropologia e Respostas Indígenas à Covid-19 (PARI-c). Produções textuais que já vinham sendo ensaiadas nas mobilizações do DMIRN sobre violências desferidas às mulheres como aponta trabalhos de nossos parceiros (COSTA et al., 2022, p. 78; Morais, 2021, p. 116).

Além dos trabalhos acadêmicos tivemos participação no filme CONSEGUIMOS – As Mulheres Rionegrinas e a Covid-19 da PARI-c, em live do Casa Floresta do ISA, do evento Baphorau produzido pelo Coletivo de Pesquisa em Antropologia, Arte e Saúde (Cpas-1) da FSP/USP, entre tantas outras lives que tivemos a oportunidade de contar nossa experiência com a pandemia de Covid-19. Foi por meio da nossa luta que conseguimos alcançar essa visibilidade, através do trabalho social e político realizado por nós que cuidamos dos nossos parentes e do nosso território.

Com isso, encerramos a campanha e agradecemos aos parceiros que nos apoiaram nessa jornada. Aos colaboradores que doaram dinheiro, alimentos, Equipamento de Proteção Individual (EPI), confiança e afeto. É por meio dessa rede que o Departamento de Mulheres Indígenas da Federação das Organizações Indígenas trabalha e resiste nesses 20 anos de existência, nos quais lideramos trabalhos para cuidar, acolher e conscientizar mulheres indígenas das 23 etnias do rio Negro.